domingo, 29 de junho de 2008

Das coisas que aprendi no Japão II


Soji

Sabem aqueles funcionarios que cuidam da limpeza pública? No Rio de Janeiro os chamamos de 'garis', mas não sei se é assim em todo o país. De qualquer forma, interessante perceber que não existem garis aqui no Japão. Isso mesmo! Não vemos funcionários da prefeitura pelas ruas com vassoura na mão, cuidando da limpeza das ruas. Aliás, não vemos sequer latas de lixo...mas reparem bem na foto...uma rua qualquer de Mito, capital da província que vivo agora. Não existe uma gimba de cigarro no chão, nem ao menos um papel de bala.

Isto que é interessante. Porque o povo cultivou o hábito de cuidar do seu próprio lixo. Quanto aos fumantes, um problemão. Em muitas cidades não pode-se andar e fumar ao mesmo tempo. Existem lugares especiais para se fumar e assim, jogar as cinzas e a gimba do cigarro. Se você vai andando e comendo algo, guarda o lixo com você até encontrar uma loja, ou lanchonete, ou principalmente os kombinis (espécie de loja de conveniências espalhadas por todo o Japão) e aí sim, você pode encontrar uma lata de lixo e jogá-lo fora. Latas especias para garrafas de plástico, latas de cerveja e refrigerante, embalagens de plástico e papéis.

Um dia destes recebi um livro enigmático na minha caixa de correio. Era um caderno escrito com Kanjis (dificuldade para ler) e o que aparentemente era uma lista com nome de moradores da região. Perguntei a um brasileiro que conhece a escrita e os hábitos da terra e ele me disse que tratava-se de um 'caderno do lixo' ou seja, quando você recebe este caderno, quer dizer que está incumbido de limpar a casinha de lixo da região em que vive. Isto porque não depositamos nosso lixo na frente de casa. Existe um lugar especial para isto, próximo de onde você mora e todos levam seus lixos até lá. Existe também dia certo para garrafas de vidro, de plástico tipo 'pet', para lixo plástico, lixo combustível etc.

Já que recebi o caderno do lixo, tinha que ir até lá e recolher qualquer lixo que não pertencesse ao dia de recolhimento e ... pasmem ... traze-lo para minha própria casa. Aí eu assinaria e passaria para o vizinho seguinte, o livreto, não o lixo...este passara a ser meu próprio lixo.

Nas escolas japonesas, as crianças aprendem também fazer o 'soji' ou faxina em japonês. As próprias crianças cuidam da limpeza das suas salas e são designadas a fazer limpeza de várias partes do colégio. Quando cheguei no Japão, e comecei a trabalhar nas fábricas e descobri que éramos nós mesmos os responsáveis pela limpeza dos nossos setores de trabalho, quase que surtei. Como pode isto???? porque não contratar gente para isto???

Bom, fato é que todos os dias, antes de começarmos a trabalhar, fazemos a faxina do local onde trabalhamos e levamos o lixo para os locais designados. Tanto fiz isto já que hoje, percebo o quão certo é esta atitude, e os japoneses se acostumam desde crianças a fazer isto.

Entrar em casa de sapatos??? nem pensar!!! Hoje temos este hábito tão arraigado no nosso dia a dia que não consigo imaginar fazendo o contrário quando chegarmos no Brasil. Só de pensar que antes entrávamos em casa e passeávamos pela nossa sala de estar com os sapatos  que estavamos usando na rua ... que loucura isto!!!

A palavra 'limpeza' no sentido de fazer 'faxina' em japonês é 'soji' e todo brasileiro aqui no Japão tem que dividir seu dia de folga entre diversão, descanso e ... soji. Soji suru em japonês é 'fazer a limpeza' e é algo tão normal e tão importante isto...criar um conceito de limpeza que ultrapassa até mesmo o sentido de responsabilidade social. Está intrinseco já...somos responsáveis pelo nosso próprio lixo e pela limpeza de onde vivemos e moramos. Se a sua rua está suja, com folhas que o vento fez cair, ou ainda um papel de biscoito que alguém por descuido deixou cair no chão, você não fica aguardando a prefeitura mandar alguém. Você pega uma vassoura e cuida, você mesmo, da parte que está em frente a sua casa e quantas vezes já vi isto acontecer...

Se algum lugar fica muito sujo, por múltiplos fatores, a própria comunidade se reúne e faz a limpeza da região, em forma de mutirão. Mesmo quando vemos pessoas que cuidam especificamente da limpeza isto não nos tira a responsabilidade de agir de maneira correta com o lixo que produzimos.

Não que eu fosse um porcalhão, rsss, mas lembro-me bem que passar pano na mesa de trabalho isto eu nunca fiz...tinha faxineiro para fazer isto. Separar o lixo??? nunca aconteceu! Tirar os sapatos? coisa de japonês, bobagem!!! Cuidar do patrimônio social e da comunidade como se fosse algo exclusivamente seu, propriedade particular...?

Isto tudo eu aprendi aqui no Japão.  Da próxima vez que o caderno chegar até mim, depois de ter circulado por toda a vizinhança, irei até a casinha de lixo com satisfação. Estarei cuidando de uma coisa que é de todos, e minha também. Acho que isto é o mais perto de cidadania responsável que eu já vi. 

Abçs

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